Durante toda a semana passada, a cidade de Turim esqueceu o vermelho, branco e verde das bandeiras da Itália. Havia uma sensação de união, comoção e um grito uníssono de liberdade em azul e amarelo, as cores da Ucrânia, durante todo o período do Eurovision Song Contest, realizado entre 10 e 14 de maio.

Na Europa da guerra e dos refugiados, Kalush Orchestra, representantes do país no festival, passaram a semana como porta-vozes da situação de seu país. Um dos integrantes, inclusive, deixou o grupo para ficar no front e lutar.

Stefania, a música vencedora do ESC 2022, nasceu como uma homenagem à mãe do vocalista e com a invasão russa se tornou um hino de resistência, de luta e a mãe de um virou a pátria, ganhou o simbolismo da mãe soberana, a mãe de todos. Ivan Klymenko, Oleh Psiuk, Ihor Didenchuk, Tymofii Muzychuk e Vitalii Duzhyk anotaram 631 pontos, sendo 439 no voto popular. Uma vitória incontestável em qualquer uma das edições anteriores do evento, só perdendo em números para Salvador Sobral em 2017.

O triunfo tem dois lados: o da solidariedade do público e o do ataque frio de especialistas. Para parte dos críticos, a canção ganhou por pena e solidariedade. Antes mesmo do Eurovision começar, falamos aqui em editorial sobre as razões que fariam da Ucrânia uma das favoritas em qualquer contexto social, visto que a música foi escolhida antes da guerra e já figurava entre as favoritas de parte dos eurofãs.

Contudo, há componentes críticos que extrapolam a simples análise musical, escancarando preconceitos e falta de visão de que música e política sempre caminharam (e caminharão) de mãos dadas.

Cravar que Stefania não poderia ganhar o festival em outra situação social é raso, preconceituoso e elitista, visto que o “embasamento” para tal conclusão é de que se trata de um rap folclórico. Oras, nem parece que falamos do festival da inclusão e da diversidade humana e musical. Festival que alabou, com muita justiça, a crítica social de In Corpore Sano, da sérvia Konstrakta, que acabou na quinta colocação. Festival que colocou em nono lugar Saudade, Saudade, da portuguesa Maro. Festival que teve como segundo lugar no televoto o folk animado de Zdob si Zdub , da Moldávia, que levou o Pala Alpitour abaixo com Trenuletul.

Consagrou o pop de Sam Ryder (Space Man, vencedor do júri), Cornelia Jakobs (Hold Me Closer), ou o bom humor do Subwoolfer e sua Give That Wolf a Banana; o romantismo de Brividi (Mahmood e Blanco) e coroou a volta da Espanha à parte de cima da tabela com SloMo, interpretada sem ressalvas pela cubana Chanel, terceira colocada na competição.

A Espanha é a última citada justamente por ser uma das protagonistas dos ataques à vitória ucraniana. Nas redes sociais, os fervorosos fãs do país (e alguns jornalistas) diziam que se tornariam pró-guerra se Kalush Orchestra se sagrasse campeão, como de fato aconteceu. Os espanhóis se descolaram da rede de solidariedade e até do senso de realidade no fanatismo que se tornou o movimento chamado de Chanelazo.

A Ucrânia não poderia ganhar com um rap, mas a Espanha deveria (e merecia, segundo eles) vencer com uma canção que fala sobre a relação de uma mulher com dinheiro e poder bancados por um sugar daddy? Não há senão em relação à performance de Chanel em Turim, muito menos sobre seu posto final. Assim como não pode haver ressalvas sobre Stefania, Kalush Orchestra e a sensação de que, com a vitória, o país devastado teve seus minutos de alegria antes de voltar a pensar na realidade dura que o assola há três meses.

E o motivo para apresentações e sensações díspares é um só: o Eurovision é o palco mais inclusivo do continente. Ali, há 66 anos, há espaço para o vasto leque de sentimentos e fenômenos humanos, musicais e sociais. Desmerecer e criticar é dizer que o festival só pode consagrar aquilo que está na sua playlist ou na sua bolha, é tirar a essência da competição que edição pós edição deixa claro que, qualquer que seja a sua preferência, o resultado sempre será justo.

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