1998: Dana Internacional é a primeira vencedora transexual do Eurovision Song Contest com Diva.

2003: t.a.t.u, dueto russo que ganhou fama por ter duas integrantes lésbicas (pouco depois, elas revelaram que fingiam a sexualidade apenas pelo “hype”),foram a grande atração do ano.

2007: A sérvia Marija Šerifović comove com uma sensível apresentação de Molitva, vence o ESC, e manda a mensagem de amor entre mulheres.

2013: Krista Siegfrids, representante da Islândia, beija uma mulher ao fim da apresentação de Marry Me.

2014: Conchita Wurst, a mulher barbada do artista Thomas Neuwirth, vence o festival com Rise Like a Phoenix.

Essa cronologia é rápida e rasa, mas dá uma amostra do que o Eurovision sempre representou: diversidade e apoio irrestrito a causas sociais. Censura sempre pareceu uma palavra distante tanto da identidade, quanto da realidade do festival. Até hoje.

A representante da Albânia, Ronela Hajati, foi avisada que deverá mudar sua apresentação de última hora. O motivo: em um trecho da coreografia, acompanhando a letra da canção Sekret, ela faz um movimento mais ousado e leva as mãos em direção à genitália, sem tocá-la. Não é sexual, é sensual. Não é agressivo, é libertador.

Veja a proposta da Albânia para o Eurovision

Entre as muitas bandeiras que defende, o Eurovision 2022 deixou de lado algumas das mais importantes dos últimos anos: o feminismo, a liberdade de expressão, o empoderamento e a relação saudável da mulher com o seu corpo. É o veto às nossas conquistas maiúsculas no campo da sexualidade.

O regulamento elaborado pela União Europeia de Radiofusão (EBU) não faz nenhuma menção ao uso de linguagem corporal nas performances, atendo-se apenas à proibição de “letras/interpretações que desprestigiarão o espetáculo, o Eurovision e a organização”. Pela regra, não são permitidos discursos políticos ou comerciais, nem palavrões.

Ou seja, na cabeça da organização, a mulher que fala “sinta meu corpo, toque-o” é sinônimo de má fama, é moralmente ofensivo. Lembrem-se: o festival acontece em 2022, não em 1922, quando atitudes retrógradas e cerceadoras eram o senso comum e incentivadas no universo feminino.

O público do Eurovision venera Ronela desde o dia de sua eleição, ainda em dezembro. O público do Eurovision é transgressor. O público do Eurovision jamais se sentiria ofendido com a coreografia. O público do Eurovision apoia as mulheres, apoia a comunidade LGBTQIA+, apoia a livre sexualidade, apoia a representatividade. Ofendido está o público do Eurovision com a decisão da EBU. Ou seria da RAI?

Se a censura partiu da emissora estatal italiana, haveria uma explicação macro para a decisão. A política do país tem figuras importantes que flertam com extrema-direita, tal e qual no Brasil. Ronela com sua apresentação original em horário nobre na TV seria um choque para a tradicional família italiana.

Quem perde é o festival. Quando o mercado musical feminino mundo afora é dominado por nomes como Anitta, Rosalía, Shakira, Doja Cat, Nicki Minaj, Cardi B, entre tantas outras, o evento fica preso em um molde não nos cabe mais, não nos representa mais. Hoje, a EBU (ou a RAI) rompeu com parte da história de 66 anos de vanguarda e liberdade.

Mesmo que visivelmente abalada nas redes sociais, não será difícil para Ronela Hajati ocultar parte da coreografia. A ferida é muito mais profunda.

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